quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Ferrari à deriva





Dar um Ferrari a alguém que não sabe sequer para que servia um burro é presenteá-lo com uma sorte viciada, para não dizer convidá-lo a uma morte anunciada e só incerta porque a boa consciência não vem de um livro de instruções decorado.
Isto a propósito do estado geral deste mundo em que vivemos, um mundo cómodo e evoluído, recheado de meios e altas tecnologias, que permitem a quem com eles se entenda e para eles esteja preparado alcançar aquilo a que chamamos uma excelente qualidade de vida.
É preciso dinheiro para isso, claro, mas mesmo havendo esse – o que na actual conjuntura é altamente improvável e calha só a uma ínfima parcela – não basta.
A forma como essa tecnologia se desenvolve carece do consumo generalizado e contínuo dos produtos que lança constantemente para o mercado, produtos de desgaste rápido , entenda-se, porque se desactualizam num ápice ou exigem constantes e novos up grades.
Julgo até que é para garantir o seu próprio sustento que a indústria os renova a toda a hora e não para o bem estar geral, mas enfim, isso digo eu, que sou provavelmente reaccionário nestas coisas de dar nozes a quem ainda não viu nascer ou sabe para que servem os dentes
Mas mesmo esquecendo esse pormenor insignificante da capacidade económica individual que parece estar em queda livre e irreversível, esse bem estar também só será acessível a quem tiver formação para tirar partido e rendimento desse corrupio consumista, quer dizer, aos que o souberem manusear, utilizar e compreender para que realmente se destina, seja em proveito próprio ou colectivo.

E é aqui que o Ferrari me parece um presente envenenado pois ultrapassa em muito o nível médio de formação dispensada a essa mesma população para lidar com ele devida e dirigidamente.

Estou a falar, embora tema que os mais novos já não me percebam, de valores.
Valores morais, princípios éticos, preocupações de carácter cívico e humanitário, de uma humanidade cuja aprendizagem é agora delegada nos desenhos animados com que desde tenra idade a miudagem é drogada nos intervalos entre a chegada da escola e a cama e entre esta e o regresso à escola.
Valores morais que nada têm a ver com a catequese e instituições equivalentes... ou talvez tenham, porque eram esses que se somavam aos que os pais ministravam – à mesa da refeição, na sala, nos passeios domingueiros, à entrada ou no intervalo da matiné – formando o nosso primeiro capital deles, uma espécie de matriz que nos regia até eventualmente os colocarmos em causa mais tarde, no caso de optarmos por uma atitude mais rebelde, contestatária e atreita a ir reformulá-los à custa dos inevitáveis sucessos e erros da inovação experimental própria.
E a verdade é que por muitas turras na parede que déssemos nessa aprendizagem própria elas não apagavam a tal matriz de referência original, ou seja, se por acaso instituíssemos uma nova e só nossa ela apenas esbatia ou até substituía a original, mas o que nunca deixava de haver eram valores e princípios, fossem herdados ou construídos.
Que suspeito terem desaparecido nas novas gerações, porque actualmente a passagem desse testemunho cultural não é já uma tarefa dos pais e professores, que além de terem uma vida demasiado sobrecarregada para se dedicarem a obra tão hercúlea e incerta de resultados – como sempre o foi - foram também eles já devidamente impregnados na sua própria formação de ambições profissionais, carreiristas e pessoais desmedidas e alienadas dessas obrigações básicas, sendo-lhes até autorizado acharem que têm o direito de não terem tempo ou vocação para tal acompanhamento.

E é neste vazio, porque não chega a ser preenchido com uma matriz de orientações, valores e princípios, que me parece que o Ferrari vai lançado, numa trajectória desgovernada e suicida, porque mesmo que saibam conduzi-lo não farão a mínima ideia do destino a que ele os conduzirá.
E lá vão indo, numa direcção indefinida e desconhecida, pelo simples prazer da condução e da velocidade de ponta deste desenvolvimento desenfreado e desenquadrado, ainda que já ninguém saiba ou se importe   para onde...


Por isto e por outras coisas é que começo a achar-me reaccionário...
Filipe N

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