sábado, 12 de março de 2011

Ai estas mulheres!



Picasso

Ai estas mulheres!

Descobri que rir de mim é boa terapia. Por isso estes contos são pedaços soltos de vivências - reais ou simplesmente testemunhadas - emaranhados em ficções acrescentadas, muitas vezes roçando uma visão ridícula do meu sentir masculino em que, dê para onde der, o fulcro é sempre a mulher.
Porque as mulheres se apossaram há muito das minhas emoções, sentimentos, curiosidade e até criatividade.
Gosto delas, pronto.
Como seres, como amigas, como amantes e sobretudo como inspiração única de um desafio que me impus e sei que nunca passará de uma quimera: percebê-las nesse amor que lhes devoto.
Elas gostam de dizer que os homens nunca as perceberão, bem sei, mas talvez por isso esta minha fixação em as contrariar desafiando-as e amando-as.

Claro que não sou altruísta, sei muito bem o que busco nelas.
Aliás não confio em nada nem ninguém que se promova a benfeitoria alheia, por isso as mulheres que menos me atraem são as boazinhas, as santinhas, as devotadas a uma causa, chamem-lhe religião, matrimónio, maternidade ou até paixão.
Porque me atraem as outras, as vivas, as "ego-ístas", as complexas, as desassossegadas, as instáveis, as conflituosas, até as matreiras e bipolares.
As que trazem dentro delas incertezas éticas e dúvidas morais, essa riqueza existencial nascida da inteligência e consciência que nem tudo é preto ou branco, bem ou mal, moral ou imoral, bonito ou feio.
E este sonho que acalento é porventura idiota mas nem por isso menos sedutor e irresistível: descobrir uma que atraindo-me com a força da sua natureza me abra simultaneamente o seu mundo íntimo- aquele que todas declaram incompreensível ao sexo oposto – por permuta não só com idêntico acesso ao meu como também pela estipulação entre nós de uma tolerância sem limites.
Será precário, permanentemente provisório, difícil e facilmente perecível? Não sei nem isso é importante porque essa é provavelmente a maior incógnita desse mesmo desafio de acreditar e investir num amor, numa amizade e numa paixão que durem exactamente o tempo que os justifique.
Terá escolhos dolorosos, rombos dramáticos e difíceis de ultrapassar? Claro, mas não é disso que vivem os nossos silêncios, os nossos alheamentos e sobretudo o nosso isolamento mental e endurecimento emocional, que gostamos de confundir com o amadurecimento ou a dura realidade existencial das relações? É sim.
Por isso sonhei que abrir essa comporta da intimidade entre dois seres, já separados por tanta coisa para além do sexo, seria como viver na crista da onda de um tsunami, uma experiência única, explosiva, alternadamente dramática ou épica, ondulada pela autenticidade mútua, e sobretudo capaz de alagar e inflamar essa atenção que tende preferencialmente para descobrir fastio no que se torna garantido, seguro e aparentemente conhecido.
Porque o que trai todos os relacionamentos continuados é o esmorecimento progressivo dessa atenção, enquanto a vamos substituindo por certezas sobre o que nos é transmitido pelos sinais, comportamentos e sensibilidades emitidos, que julgamos progressivamente ser capazes de descodificar e sistematizar.
Mas não somos porque as mulheres – e até prova em contrário os homens também, embora de uma forma diferente - são mutantes, evoluem, modificam-se, na medida inversa em que lhes vai sobrando essa atenção que se desvia do parceiro "decorado".
E quando a tentamos simplificar e tipificar, chamando-lhe cansaço, fixação profissional, alienação paternal ou outra qualquer designação estereotipada, estamos apenas a roçar numa das formas de mistificação mais visível, prática e comodamente cobarde que essa mesma atenção assume, escondendo todos os outros focos que a vão prendendo ao longo dessa desaceleração afectiva e passional pelo parceiro.
Porque esses chavões e comportamentos tipificados não esgotam essa atenção excedentária, apenas tranquilizam a preguiça mental em esmiuçar uma intimidade que se vai encolhendo sem revelar a multiplicidade de substituições que sigilosamente a prendem, mesmo num dia-a-dia aparentemente preenchido por essa justificação genérica.
E é por isso que estranhamente acolhi esta quimera de um dia desencantar uma mulher assim, capaz de me dizer um dia que não me abraça porque está encantada com outro ser, a mesma a quem poderei noutra fase confidenciar que gostando muito dela me sinto incapaz de a amar apaixonadamente porque me sinto fascinado por alguém.
Que será duro, doloroso e até difícil de assimilar não tenho dúvida mas tenho-a igualmente que será verdadeiro e dará a ambos oportunidade de, nesses dias, não sermos despropositados, ridículos ou até dignos de um dó que vicia e desgasta as probabilidades de retoma.
E poderemos também reagir concientemente a conjunturas e realidades avessas mas honestamente partilhadas, mesmo que perceba quanto difícil deve ser aceitar o reconhecimento de sermos ali e então o elo fraco, o pendura, dependendo então do bom senso próprio, da capacidade de encaixe e contenção, da criatividade e recurso a meios de cativação inovadores para lutar pelo reacendimento de um interesse desviado de nós.
Além de obviamente um deslumbramento casual e esporádico não significar à partida a sua repentista e caprichosa aquisição.
Passando sobre a quase grosseria da comparação encaro o reconhecimento desses fascínios que nos atravessam como o ocioso deambular com tempo e dinheiro pelas montras de um desses palácios do consumismo.
E há nele uma enorme diferença entre o vulgar e imediato apelo à nossa vontade de possuir e a sua cabimentação real porque existe, para além desse  poder ter a sua conciliação com as necessidades, prioridades, aferição da qualidade e, vá lá, até com o bom senso e reconhecimento de haver em nós um espaço carente ou já ocupado.
Porque neste meu sonho há dois espaços que se cruzam sem se confundirem. Negar tal é e será sempre a maior falácia dos relacionamentos a dois.
Reconhecer, conservar e respeitar o espaço individual - que para muitos é a negação hipócrita desse laço a dois – nunca poderá ser indissociável da construção saudável de uma existência partilhada. Mas ter acesso a ele permite uma resposta e uma reacção justa, que é o que não é comum nos relacionamentos mudos e calados aos empolgamentos individuais. 

E se não formos capazes de reacender a atenção real, escusamos ao menos de a simular recuperar e mascarar com um desses chavões tão comuns entre casais humanos.
Porque teremos simplesmente encontrado o fim de uma relação no momento em que findou a sua razão de ser, contrariamente ao que é também comum.

    Matisse

Até lá… vou sendo como me conhecem os que comigo se cruzaram, autêntico, frontal  e sempre que possível delicado, com esta tendência para falar da intimidade no plural, até meigo e capaz de partilhar momentos altos, de me solidarizar e emocionar com o que me toca, de reagir e mesmo irritar, de me rir de mim e com os outros, de me enamorar sem prometer nem mentir, e de desaparecer quando este meu feitio se torna azedo, tristonho ou macambúzio.
Porque ninguém precisa de mim para a partilha desses desânimos. Nem eu…

2 comentários:

  1. ...boa noite...puxa...como somos complicados...uns...e...os outros...onde será o x da questão...o ponto certo de encontro para se conseguir chegar a alguém...e...a algum lugar...desejo-te muita sorte...acho que vais precisar...mas...gostei de ler...e...saber da tua perspectiva...sobre a matéria...teoricamente...viável...aparentemente...com alguma viabilidade...beijo...maria jose lacerda

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  2. E como tu desapareces tantas vezes
    Eu já tinha perdido o caminho para cá
    Ainda bem que o voltei a encontar pois tinha saudades das tuas longas palestras virtuais
    Gostei muito
    Beijinho para ti salgadinho
    Angelina

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