terça-feira, 4 de outubro de 2011

Outra, por favor

Já tinha saudades de vaguear uma pequena história agridoce e para isso basta-me sentar num lugar impessoal, se for atraente e mundano melhor, pedir uma bebida e deixar-me ir ter com ela…
E quase sempre ela surge a travestir formas de solidão escondidas de si mesmas e só relutantes em aceitarem-se…

Magritte, Os amantes

Levantei-me e fui ter com ela à esplanada que em frente ao bar do hotel nos prendia a vista ao mar já bordado pelos reflexos de oiro branco do entardecer.
Há dias que sentia aquela atenção a palmilhar por ali o tédio dos finais de dia, quando aguardávamos que servissem o jantar, mantendo os dedos abraçados a uma cuba livre que alongava pela espera enquanto ela ia bebericando um gin diluído em fastio e água tónica.
Pedi para me sentar do outro lado da mesa baixa de palhinha e vidro e, já acomodado na poltrona forrada a lona branca, encarei-a tranquilamente, antes de encetar o inevitável e indispensável diálogo.
Que abordámos como conhecidos, embora nada mais nos ligasse ainda que aquela simples e recente troca de olhar, discreto mas crescentemente embrenhado no acicatar de um interesse tão mudo quanto eloquente.
Trocámos nomes, abordámos vagamente o que fazíamos durante o dia e titubeámos algumas frases e assuntos, na tentativa pouco empenhada de alargar o espectro oratório, mas pouco depois calámo-nos, amarrados a esse olhar cruzado e já sem escapatória.
E foi ainda nesse silêncio que me levantei para, contornando a mesinha, colocar as mãos atrás da cadeira dela, recuando-a quando se ergueu.
Atravessámos o átrio e nem mesmo no elevador, onde seguia outro casal, trocámos mais palavras, só o olhar periférico nos manteve cientes da presença um do outro.
Fui eu que carreguei no botão e por isso saímos no meu andar.
Algumas horas depois liguei para a cozinha a pedir um jantar tardio e era já de madrugada quando a senti deslizar do meu lado e começar a mover-se pelo quarto.
Na preguiça que me invadia deixei-me estar naquele limpo inerte e só vagamente distinto do sono pela consciência envolvente, enquanto pressentia os seus movimentos e ouvia um restolhar ligeiro de roupa, que só pararam quando o clic da porta a fechar, abafado pela antecâmara, devolveu ao quarto a exclusividade ruidosa do trânsito da Avenida.
Nessa mesma tarde vi-a chegar acompanhada ao hotel e sentaram-se perto de mim.
Mesmo sem esforço percebi na conversa que ele chegara nessa manhã e que iam ver no dia seguinte a casa para onde se iam mudar.
Lembro-me bem porque foi esse o dia em que um pedido meu admirou o barman:
- Outra, por favor.