segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

O velho namoradeiro





Uma vez abordei esta história-fantasia pela versão de cada um dos seus personagens.
Agora e acrescentando-lhe alguma dissonância dramática ocorreu-me revisitá-la mais adiante e pela perspectiva de um velho namoradeiro...

O velho namoradeiro

O velho arranjou-se o mais airosamente que lhe era ainda acessível e saiu do pequeno apartamento em que vivia há mais de dez anos, desde que se separara da sua segunda mulher, reflectindo na razão de ali ter ido dar e na vida que levava desde então.
Ao fim de sete anos de vida em comum nesse relacionamento a que gostava de chamar o seu segundo casamento, embora nunca o tivesse sido de facto, percebera inesperadamente que a relação deles não passava de um equívoco.

Ela tinha sido a sua paixão tardia, que tantas vezes ouvira referida como uma saída para a frente que por volta dos quarenta os homens tentam, na ânsia quase desesperada de não se confrontarem com a aceitação da vizinhança de uma nova idade que já poucas emoções fortes terá para lhes oferecer, na perspectiva em que a viveram até aí, sempre atentos e receptivos às aventuras passionais e escapadelas sexuais.
Pelo que sempre constatara considera-se socialmente comum por volta dessa idade a maioria dos homens confundirem uma súbita e talvez inesperada atracção emocional com a última oportunidade de darem uma reviravolta numa vida que se vai diluindo em tédio.
E ele não escapara à regra.
O que mais o admirara fora ela ter-se revelado num conhecimento já com alguns anos, porque quem lhe despertara essa fantasia fora uma mulher com quem convivia até com bastante regularidade no trabalho.
Um dia descobriram numa conversa em que abordavam reminiscências da juventude que tinham sido colegas na escola, e a partir daí esse passado comum gerou uma cumplicidade e atenção que nunca anteriormente tinham detectado no outro.
E sem grande consciência foram-se procurando de forma crescente, acabando por se tornarem um par dentro do pequeno grupo que habitualmente almoçava nos dias de semana.
E aos poucos essa procura alastrou ao final de tarde pós laboral, criando programas inofensivos para darem juntos um salto a qualquer lado antes de seguirem para casa.
Como seria de prever à despedida de um desses encontros mais tardios em que o frio os empurrou para o conforto do carro dele deram por si irremediavelmente a confessarem a importância daqueles escapes a dois e a avançarem para uma intimidade física que reconheciam não ser capazes de evitar. E que lhes abriu uma janela para prazeres quase desconhecidos.

A partir daí os acontecimentos na vida de casados de ambos foram vertiginosos.
Ele, que até se considerava uma excepção relativamente aos homens da sua geração, porque evitara sempre ter aventuras ou romances discretos, confessou à mulher que se tinha apaixonado e saiu rapidamente de casa.
Era a segunda vez que tal lhes sucedia e tinham também anteriormente decidido que a melhor forma de deixar poisar a poeira era ele sair de casa até ter as ideias claras sobre o que queria.
O velho reflectiu que intimamente ela pensara -e porventura até a ele tal ocorrera também - que tal como da primeira vez aquela paixoneta se iria provavelmente esvair rapidamente e que após isso - e como então sucedera - poderiam até beneficiar da lenta aproximação que se seguiria, revendo entretanto atitudes e removendo alguns dos fastidiosos procedimentos desatentos e mecanizados que nos casamentos têm tendência para se instalar e adormecer a parte emocional.
Por outro lado ela, a sua nova paixão, também deu um murro na mesa em casa, mas foi surpreendida pela atitude inesperada do marido, que o aproveitou para de imediato dar por findo o casamento.
E mesmo sem ser essa a intenção e aspiração iniciais daquelas atitudes de honestidade para com os parceiros de vida, ambos se depararam com uma até excessiva disponibilidade para a sua relação emergente, acabando assim por se lhe dedicarem com uma exclusividade que rapidamente os juntou.

Durante sete anos viveram de forma muito efervescente uma relação onde a paixão física era determinante mas onde tudo o mais parecia também próximo da perfeição.
Ele admirava-se pela constante identidade de gostos e vontades dela relativamente aos seus e com isso foi esbatendo as dúvidas que nutrira inicialmente, pois percebera e ela confirmara até que ao longo da sua vida anterior tivera diversos amantes, que enquadrara como uma necessidade de colmatar o frio e ausência de paixão de um casamento que nunca lhe trouxera emoções físicas e emocionais, até porque rapidamente se apercebera ter nascido apenas da conjugação e conveniência de interesses de ambos com os factores de idade e sócio-profissionais que normalmente determinam e calendarizam muitos casamentos.
E a vida comum de ambos continuou, embora subsistisse o impasse da formalização, pois as dúvidas e convicções dele mantinham-no bastante hesitante em avançar para o casamento – que não considerava minimamente importante concretizar - até um dia ela regressar de uma curta viagem de trabalho no estrangeiro, apercebendo-se ele que algo invulgar se teria passado, pois embora o negasse e tentasse não o demonstrar, ela chegara diferente.
A sua atenção por ele era maior mas incapaz de parecer natural revelava uma tensão insólita que resultava sobretudo do esforço a que se impunha.
Como ele era sensitivo e também intimista defendeu então que os problemas deviam ser encarados de imediato com franqueza e honestidade e procurou estimulá-la à exposição e discussão das razões daquela indesmentível e profunda alteração no seu comportamento, o que ela foi fazendo, embora contrariada e relutantemente.
E soubera então que nessa viagem ela tivera duas aventuras praticamente sem transição - nem ela poderia ter existido uma vez que estivera menos de um mês ausente - numa alteração de atitude que ela própria não conseguia explicar com clareza ou coerência.
Os seus argumentos pouco convictos alegavam apenas que tivera uma recaída dos seus anteriores comportamentos, pois não só estivera em lugares mundanos e exóticos como tivera também a companhia de algumas personalidades libertinas que identificara logo com esse seu passado e propícias a ali o reeditar.

Ele ficou estupefacto e incapaz de compreender aquela mulher que substituíra a que ele se convencera que amava e que o amava também, pois embora fosse até o que mais assiduamente viajava, tendo nessas ausências óbvias oportunidades e até assédios, nunca se dispusera a ponderar sequer corresponder-lhes, pois sabia que bastaria pensar fazê-lo para perder irremediavelmente o encanto e a atracção permanente por aquela relação em que investira o seu futuro.
A vida ensinara-lhe que o dispersar de atenção de uma relação viva e associar-lhe esse tipo de culpas a afectaria e destruiria definitivamente, para mais aquela, nascida do desafio com que se dispusera romper com tudo o que lhe estava previsto, estabelecido e destinado para o resto da vida.
E por isso fora incapaz de resistir a tamanha idiotice, de assimilar aquele aproveitamento absurdo de uma ocasião apenas porque ela surgira acobertada pela distância e desconhecimento, afastando-se então e definitivamente dela.
Porque fora suficientemente realista para ter antecipado que momentos assim surgiriam inevitavelmente na vida de qualquer deles e abordara até o tema diversas vezes com ela anteriormente.
E sempre argumentara que lhes caberia então decidir se os iriam aproveitar para rever e alterar os comportamentos que originariam essas cíclicas e inevitáveis crises de interesse ou se fariam como ela fizera, aproveitando-os, escondendo-os e preparando-se para viciar irremediavelmente a sua relação com áreas e culpas omissas que a degradariam, em vez de inversamente as reconhecer e nelas investir para a construção de uma uma relação plenamente cúmplice, franca e sem tabus.

Apesar de desde essa altura ela não abrandar nas tentativas de aproximação ele nunca mais considerou sequer essa eventualidade pois mantinha a convicção que a escolha fora feita quando ela, sentindo-se atraída pelo retorno a uma vida que conhecia, decidira por ele e não por se abrir com ele, explicando-lhe o que estava a passar-se com ela.
E o perdão, que até lhe teria sido fácil se ao invés de bem consciente dos meandros das seduções fáceis ela nunca as tivesse anteriormente vivido, ficava assim além da sua própria vontade.
E partira então desmoralizado, porque investira tudo nessa oportunidade que atribuíra a si mesmo de recomeçar, trocando uma relação estável, cordial e até muito confortável por um ímpeto de paixão pura que tentara materializar a partir daí numa relação ambiciosa e aberta, capaz de pela frontalidade e honestidade percorrer todos os labirintos da vida - os emocionais e os demais -, mesmo que eles fossem muitas vezes a forma mais incómoda e exigente de a enfrentar.
Inicialmente passara por uma fase de total desmotivação e isolamento, sentindo que falhara no aspecto que tornara prioritário na sua vida, o da realização íntima e passional.
Disso se ressentira então a sua vida social e profissional durante um período longo, reagindo lenta e progressivamente até de novo se sentir capaz de as prosseguir.
E foi nessa recuperação de ânimo mas sem desistir da sua fé na natureza humana e na honestidade que a sua disponibilidade romântica se tornou receptiva a um viver de episódios casuais, sem neles acalentar expectativas e ambições continuadas.
E agora, pensou o velho, acabei por me tornar neste velho ocasionalmente solitário, serei provavelmente até um fracassado na perspectiva de muitos, mas se consegui viver a minha vida até aqui sem ceder neste aspecto não será agora que vou desistir.
Que ela valha ao menos por isso, por ter tentado, rematou ele.
E assim decidido e serenado lá seguiu rua abaixo, lampeiro e gaiteiro, a caminho do jardim e de mais um dos seus namoricos.

Filipe N

3 comentários:

  1. Agora estás aqui mano mais velho...:)
    Um beijinho muito grande para ti...e tenciono aqui passar mais vezes...após a azáfama desta época.

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  2. Aqui esta um velho namoradeiro,mas que gosta de namorar.....nunca é tarde............

    Filip desejo boas festas


    Um brinde à chegada do Novo Ano. Que ele seja só sorrisos! Boas Festas!

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  3. Saudades de ti no meu cantinho!
    Seja no antigo ou no Toque de Midas!
    Aparece simplesmente!
    Beijinhos e Boa semana

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