quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Saída ou a falta dela




Não é entrada mas o registo de uma saída ou a falta dela que hoje me tocou e deixou desalentado.

A Cristina foi minha fisioterapeuta durante os últimos seis anos, já muito depois de ter percebido que este meu ombro direito só conseguia funcionar bem se lhe proporcionasse um cuidado semanal de mãos de quem sabe negar-lhe a apetência em criar-me prisões nos movimentos.
Depois no Nuno Pombeiro e da Conceição Delgado acabei por me fixar na Cristina, porque na técnica das suas as mãos encontrei o equilíbrio entre a menor dor possível para mim e a maior eficácia em o ir mantendo apto e ágil, além de ser mais perto de minha casa, claro.

Religiosamente às terças feiras primeiro, depois às quintas e ultimamente às quartas, porque ela tinha agora um curso à quinta, era nas mãos dela que começava o meu dia.

E ao longo de seis anos falámos muito, não só do meu corpo - que ela dizia que eu conhecia e sentia particular e invulgarmente bem – mas um pouco de tudo e de nada, porque pelo meio os nossos filhos foram crescendo, porque me morreu a Filipa e ela se separou agitadamente do marido.

E embora não lhe possa chamar amizade declarada desse convívio nasceu um sereno afecto entre nós.

Quando há uns anos precisou de um paciente para ser entrevistado para um programa da Sic, ou do canal dois, já não me lembro bem, pediu-me, porque era o tal que tinha boa consciência do corpo, e assim lá fui excepcionalmente a um sábado para a piscina ser filmado nos braços dela e depois para uma entrevista de roupão.

Desse episódio resultou ter-me auto nomeado bastonário da ordem dos entrevadinhos residentes, até porque serei provavelmente já o mais antigo dos seus limitados motores, embora seja também dos menos velhos.

Quando me deixava com o calor mais tempo sabia logo que esse seria um dia de silêncios, e quando ela voltava para começar a tortura fechava os olhos para não ver os dela perdidos em pensamentos enquanto as suas mãos me moíam as inevitáveis calosidades em que este maldito ombro é inesgotável.

Nos últimos meses senti-a a necessitar cada vez mais desses silêncios, vi-lhe os olhos cada vez mais alheados e só não protestei porque o afecto destes seis anos tornou esses inícios de manhãs em algo mais que simples sessões de fisioterapia.

Disse-lhe um dia destes que ela era a mulher que mais me tinha mimado – e maltratado também - o corpo na vida e esse é um exemplo da troca de palavras gentis e só ligeiramente informais em que se esgotava a nossa ténue cumplicidade.

Ontem foi a primeira vez que ao regressar a casa decidi passar pela H2O. Sem formalizar bem uma razão senti que me apetecia confirmar com ela a sessão de hoje, embora a minha hora fosse cativa há já muito tempo da agenda dela. Apenas mudou de dia da semana ao longo destes seis anos, por conveniência de um de nós. Parei o carro, porque vi a H2O iluminada mas quando me aproximei da porta um pouco inexplicavelmente desisti, dei meia volta e voltei ao carro.

Mas hoje e como sempre lá fui dar. Entrei e percebi logo que algo se passava porque vi o outro fisioterapeuta, o Nuno, e a Maria, que é a nova recepcionista, muito desorientados, agitando-se de um lado para o outro na recepção mas sem qualquer objectivo perceptível.


A Cristina suicidou-se ontem em casa e pela sua agenda, onde confirmei que pela primeira vez não estava marcado, percebi ter sido um acto premeditado.

Penso nos três filhos dela e no ex-marido, desejando muito que os primeiros consigam assimilar a perda sem culpabilizarem o segundo, porque infelizmente é probabilidade forte de herança da sua ausência naquela família.

Inversamente desejo-lhes muita união, compreensão, solidariedade, paz, tolerância e bom senso.

É para eles este meu voto sentido e sincero.
De ti, Cristina, fica-me uma tristeza já com forma de saudade.

1 comentário:

  1. Luiz lamento muito a perda dessa tua amiga Cristina ,amiga que fazia parte da tua vida ,por motivos que deste a conhecer ,sim porque eu li do principio até ao fim

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