quarta-feira, 23 de março de 2011

É a Claudia

A última forma guardada de uma saudade.
Memória também extensiva à Cláudia, a ex-mulher e sempre mãe que foi definitivamente a amiga.







- É a Cláudia

Saíramos de lá dois dias antes angustiados e derrotados, o Armando e eu, sem termos passado do átrio da entrada,
E imaginá-lo simplesmente incapaz de repescar num recanto qualquer do seu íntimo - que sempre fora inesgotavelmente positivo e resistente – um assomo de energia e ânimo para nos aturar, quando sempre os descobrira até onde nada os indiciava, foi o enfrentar da inevitabilidade de uma capitulação que ele e todos nós tentávamos ainda ignorar, desmentir e mascarar.
Porque se havia alguém a quem fazia sentido atribuirmos essa capacidade de contrariar o destino era ele.

Agora voltara, com a Nené e a João, e apesar da fragilidade e magreza extremas apetecia-nos de novo ultrapassar a evidência e voltar a crer que era ele o tal herói.
A certa altura, vendo-o puxar de um cigarro, até me atrevi a gracejar:
- Vá, fazes bem, faz isso que te faz bem...
Mas quando o olhar dele me chegou, depois de uma subida lenta e perra, não precisei de ouvir nas palavras que o acompanharam o anúncio de uma guerra finda:
- Fumo e fumarei enquanto puder todos os que me apetecer e ninguém tem nada a ver com isso!
E naquela exclusiva ausência do seu peculiar sentido de humor, substituída por uma teimosia dorida, terminal e já indiferente à elegância que sempre o caracterizou, se desfez a minha negação.
Mas foi bom, falámos dos velhos tempos, de LM, da Polana, do Sheick, dos gelados, das motas, das barreiras e do Liceu, das tropelias e dos namoricos, descobrindo até e surpreendentemente que entre nós quatro nunca tinham sucedido, o que era raro dado termos sido todos algo namoradeiros, tirando um ou outro mistério, como o de uns dez minutos que ficaram no ar e o relembrar de uma aparentemente insondável pergunta da Nené antes de se fixar no seu (outro) António...
Tagarelámos, recordámos, até rimos, alheados da envolvente da sala, para onde tinham recuado os filhos, os irmãos e a jovem a quem interromperamos a recolha de memórias, distanciando-se discreta e emocionadamente da partilha de outras no último e inevitável estar daqueles velhos amigos.

Após a despedida e a saída foi pior. Chegámos ainda atarantados lá a baixo e ficámos parados no passeio, mergulhados num tempo e numa ansiedade de soltar o que trazíamos acumulado nas almas.
Emoções tristes que a Nené e eu metemos no carro, mesmo depois da João seguir no dela, e com que atravessámos uma cidade que parecia esbatida e descolorida, quase desconhecida.
Deixei-a em Algés, junto ao carro e segui, depois de repetirmos que voltaríamos breve, deixando só decorrer o tempo mínimo que o protegesse da transparência da motivação tão óbvia para um regresso demasiado próximo.
Julgo que sentimos todos que já não haveria tempo mas ainda assim impôs-se aquele cuidadoso compasso, benévola e tonta hipocrisia herdada do que sempre vimos fazer desde miúdos: nunca deixar transparecer o temor de ser a última vez.
Porque nessas alturas as palavras se divorciam ainda mais da sinceridade num pudor patético que se impõe, por mais íntimos e cúmplices que sejamos e apesar da vontade de usufruir de cada gota de um fio de historia comum que se esgota.

Quatro dias depois, já perto da meia noite e ainda meio desorientado com as vias de entrada em Madrid o telemóvel tocou.
Agarrado ao volante e já com o mau pressentimento pedi para ver quem era.
E a resposta confirmou-o:
- É a Cláudia.

1 comentário:

  1. Descobri com pasmo (e riso) que os meus "seguidores" se clonam!...
    Feitas as continhas são três e eu, descontando as repetições o número mantêm-se, o que é bom pois...muitos e bons só se...contarmos com alguns outros tontons. :)
    Sinceramente prefiro assim, claro. E também não interessa nada, ficam é beijos (se for "messiê" calhará melhor um bacalhau, é claro)para os ditos, respectivos clones e mais algum incauto que passe por cá.
    (A Angelina passou mas...nada de me "seguir", ela lá sabe a fama que me deram por aí!...)
    Assina o dono da tasca, ele mesmo

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