sexta-feira, 11 de março de 2011

Um dia de cada vez



Pintura de Hokusai (sec. XIX)

Um dia de cada vez…

(da formiguinha irritada com as cigarras)

Às vezes quase toco num mundo que não entendo mas, viscoso e escorregadio, ele rejeita o meu tacto ansioso de amizade, sobretudo de compreensão, e volto a embrenhar-me neste cantinho de solidão existencial e teimosia ignorante.
Mas volto a tentar, uma e outra vez, sem nunca desanimar ou desfalecer, embora sabendo que se não me deu até agora a qualquer veleidade de o tocar dificilmente mo permitirá a cada futura e nova tentativa.
E é estranho porque de tanto me ver tentar aproximar já devíamos ser pelo menos velhos conhecidos, embora suspeite que nunca vá sequer corresponder com um insignificante e quase imperceptível aceno ao meu denodo em lhe provocar esse pequeno e vago gesto de reconhecimento.

Hoje o Japão tremeu e quase se afogou, morreram e sofrem milhares difíceis ainda de contabilizar, podem até alguns que se regem por ideários religiosos, políticos ou até culturais diferentes nos nipónicos pensar que foi bem feita, fazendo eles parte de uma realidade tão longínqua e aparentemente incompreensível.
Para mim são tal qual nós, gentinha boa e má, cada um com um pouco das coisas que metemos dentro desses dois adjectivos tão vagos e genéricos, insignificantes, diversificadas e incontáveis formiguinhas de uma multiplicidade humana e cósmica a quem calhou morar nesta esfera imperfeita a que chamamos (a nossa) Terra.
Amanhã não sei o que vai acontecer, mas algo se há-de arranjar, aparece sempre algum acontecimento inesperado com a capacidade de nos fazer abanar as desgastadas emoções que já deviam estar empedernidas há muito mas que teimam ainda em se escapulir sorrateiramente do baú poeirento da nossa esperança.
E, garantidamente, vou voltar a tentar chegar à compreensão deste mundo arrogante e sobranceiro em que me calhou também viver, mesmo sabendo que, como sempre, me irá rejeitar e seguir indiferente e impunemente o seu insondável e tortuoso caminho.

Agora o que já não suporto mesmo é ouvir as cigarras, os políticos, os comentadores, os ídolos à força das nossas tv’s e o seu autismo intelectual, imoral, desonrado e despudorado impingir-nos mais pec’s que eternizam o crescente agravamento a que nos sujeitam crescentemente, estrangulando as migalhas de esperança e a qualidade - em vias de extinção - do que nos resta ainda viver, neste cantinho à beira mar plantado.
Talvez por isso, por ser tão chegado ao mar, me lembrei da vaga probabilidade de amanhã o mundo nos reservar também um tremor de terra com tsunami incluído, deixando aqui registo da catástrofe que hoje varreu o Japão.
(toc-toc na madeira, põe-te a milhas, agoirento!)
Mas o que não consigo digerir mesmo é a teimosia dessas mesmas vedetas das tretas infindáveis, cigarras do nosso descontentamento, que não abrandam os seus esforços desafinados mas concertados na tentativa de nos convencerem que a culpa de tudo isto é colectiva, nossa, destas meras e desprezíveis formiguinhas de que se alimentam permanentemente.
Porque se nunca fomos ouvidos durante todo o percurso em que nos encaminharam para esta outra forma de calamidade nacional, social, económica e até psicológica, se fomos, somos e continuaremos a ser sempre tudo menos preocupações e menos ainda determinantes para elas decidirem as estratégias e formas de a esconderem, combaterem, ou amenizarem, o que não podemos definitiva e simultaneamente ser também é culpados ou acusados de co-responsabilidade e conivência pelo estado a que isto chegou.

E é assim que amanhã será outro dia…

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