quarta-feira, 9 de março de 2011

Trouxe-as comigo


Trouxe-as comigo
Chego a casa tarde e de um dia longo trago só as horas passadas contigo.
Horas diferentes e inesperadamente gratificantes, tocadas por uma ternura amiga, quente e meiga, tão rara de emergir num cais calhado de um acaso forçado.
Porque hesitava procurá-lo, tendo a consciência temerariamente aguada dele, de me atrever a aportá-lo - ou falhá-lo definitivamente - desde que o pressenti possível e a cirandar entre as coxias apinhadas.
A que me levaram outras emoções intraduzíveis por aquela outra mulher-poetisa que um dia me tomou o afecto sem que perceba ainda se teve consciência do bem que me fez.
Ali, a olhar enternecidamente para ela surgiste-me a provar que afinal há seres que são tão previsíveis quanto os meus devaneios fizeram deles reais.
E enquanto ouvia poesia a que insiste em chamar versos deixei os olhos percorrer outros rostos, finalmente acrescentados dos seres que os suportam, para final e discretamente te fixar.

Porque era o teu perfil virtual que mais se sobrepunha e correspondia ao que se pode deduzir de alguém real. Mulher de alma e corpo, expostos numa informalidade parada no resguardo da intimidade e graciosamente disponível para todos. Atenta, cativante, sorridente, fluente, extrovertida e subtilmente inteligente.
Guardei de ti essa imagem do percurso militante e cúmplice pela Angelina, apenas esboçada da primeira vez que já ali te vira, precisamente no mesmo lugar a que me levara a simpatia da Lita.

E decidi que corresponderia ao desafio de aparecer, embora as tuas ultimas palavras me tivessem feito reflectir:
“Vai, mas só quando puderes...”
Foras sempre assim, enigmaticamente precavida para comigo, para com os meus gracejos e comentários, dando a cada frase deixada significados e reticências que me surpreendiam e... quase desiludiam.

Percebera já aos poucos pelo que a Angelina me contara que houvera em tempos um preconceito generalizado, porque me atrevera a entrar por ali dentro a dizer quem era e julgando que todos eram o que diziam.
Porque entrara nesses meandros sem consciência da vigilância geral, acrescentada de muita coscuvilhice e alguma inveja, a partir daquele momento em que desconfiado decidi saber porque tinham as adolescências das minhas filhas desaparecido neles.
E embora elas estivessem já esgotadas queria estar prevenido, porque a vida tem destas coisas e eu sabia já que voltarei a lidar com novas, dentro em breve.
Percorri assim caminhos desconhecidos, até tropeçar num espaço e deixar nele o que julgava serem comentários que só ao próprio interessariam.
E assim julgando-me num oásis apenas levantei uma poeira ácida num deserto de ética e acabei proscrito e maldito, sem ter a mínima ideia que gerava tais melindres e ressentimentos.

E por isso a tua frase me fez pensar e hesitar.
Até descobrir que podia ir, fosse qual fosse o sentido que lhe desses.
E fui. Ainda bem, por tudo o que me fizeste sentir.

Mais agora, em que ao ler o que descreveste tão bem se comove este saber que o sentiste também.

2 comentários:

  1. Filip gostei muito do que li, palavras com muito sentido
    Um abraço

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  2. ...boa noite Filipe...redescobri-te hoje aqui...parece que ando sempre um pedaço atrasada na realidade passada...pois...dois seres...duas visões...porém...com muitos pontos de uniões...como uma simples frase...sem significado algum pode confundir...baralhar...aquele: "Vai, mas só quando puderes..."...na linguagem comum...feminina...deve querer dizer:"...convido-te a ir, mas vai só quando puderes, sem atrapalhar a tua vida..."...sem nada escondido nas entrelinhas...enfim...dizer exactamente o que as palavras diziam...só isso...a tua visão é...afinal...tão igual a uma outra qualquer...por aí...num outro espaço vulgar...no principal...igual...beijo...maria jose lacerda

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