quarta-feira, 13 de abril de 2011

Eu, caruncho

Do que aqui vou magicando e escrevinhando pode passar a ideia que me julgo santo ou pensar-se que isso quero transmitir, um pouco incompreendido é certo e quase sempre mal interpretado, até difamado (pelos maus caracteres, claro!...), mas sinto que não me fica bem, nem caibo ou gosto dessa imagem.
Porque não sou nada disso mas tão só um tipo meio solitário e um pouco megalómano – que é muito diferente da arrogância narcisista que alguns me atribuem enquanto a distância não se encurta – que se questiona sem grandes pudores ou mantas de hipocrisia e, vá-se lá saber porquê, não se importa também nada com essa exposição da sua relativa excentricidade e complexidade ética, mental e moral.
Ora para que não fiquem dúvidas inventei esta.

 
Chagall
 
Eu, caruncho

Há já uns anos que vou assiduamente tratar do meu ombro mau a um Spa perto de casa e foi numa dessas primeiras idas que encontrei um casal vizinho.
É um casal estrangeiro que dificilmente passa despercebido dada a sua gritante diferença de idades. Ele é escritor, poeta, encenador e professor universitário, relativamente afamado no seu país por alguns programas de televisão que protagonizou.
Já muito avançado na idade casou-se com aquela que é actualmente a sua companheira e vieram ambos viver para Portugal.
Mais precisamente para o meu lado.
São contudo um casal muito discreto e metido consigo mesmo, com um modo de viver em que nem os vizinhos dariam por eles se não fosse o contraste das respectivas idades
E vinha notando que o estado de saúde e vigor físico dele se vinha deteriorando, sendo muito provavelmente a principal razão da frequência com que o vejo apoiado nela em lentas, quase pesarosas e cada vez mais frequentes passeatas pelas redondezas.

Bom, quando lá os encontrei pela primeira vez saía da minha sessão de fisioterapia, calhando ele entrar para o mesmo gabinete, ajudado pela mulher.
Como nunca tivera oportunidade de falar com nenhum deles alonguei-me um pouco na tagarelice com a recepcionista e esperei que a mulher voltasse do gabinete para entabular conversa.
É de uma beleza serena que se torna mais notada e apelativa pelo evidente contraste com o ar desgastado, quase trôpego e envelhecido dele, podendo muito bem ser tomada por sua filha, senão mesmo neta.
Lá consegui finalmente cativar-lhe uns minutos de atenção nesse dia e percebendo que iria por ali ficar à espera do marido despedi-me e fui à minha vida.
Como é normal ali as horas ficarem cativas aquele encontro passou a repetir-se, coincidindo a minha saída com a entrada dele para a sua sessão.
E fui ficando por ali, alimentando-a em simpatia de boa vizinhança e desafiando-a até uma ou outra vez para um cafezinho nas redondezas.

Comprovando que não sou nenhum santo numa dessas saídas atrevi-me a abordar a diferença de idades e a lembrar-lhe que também ela necessitava de tratar bem de si mesma, do seu corpo e das suas necessidades.
E dei-lhe o meu exemplo, que me precavia contra o deteriorar das capacidades motoras, vigor e agilidade indo ali com assiduidade, embora acrescentasse gratuitamente que elas estavam ainda em estado perfeitamente vivo e activo.

Ora nós portugueses temos uma língua tão rica e comprida quanto o necessário para a fazer chegar ao porto pretendido, ao contrário da maioria das outras, e por isso ela terá entendido daquela minha inocente revelação uma qualquer e muito clara oferta para a ajudar nas suas carências.
O que passámos a fazer regularmente, naquela horita dedicada à manutenção de cada um. Porque temos também a fama - e o proveito - de acolhermos e tratarmos bem quem nos visita.
Depois, depois tornou-se um pouco maçudo, apressado e quase obrigatório, fastidioso mesmo, ou então foram os horários que acabaram por se desencontrar...

E pronto, acho que me recriei com esta fantasia para chegar ao que queria, ao caruncho da santidade
E será que devia ter posto alguma advertência lá em cima, tipo bolinha ou assim?...
(“Credo!” como diria a minha FE...)

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