segunda-feira, 2 de maio de 2011

Não basta dizê-lo...



Não basta dizê-lo...

Ser civilizado não é uma declaração mas um estádio da evolução humana centrado na coerência de atitudes e comportamentos.
Que têm mais valor quando posta à prova porque sendo sempre fácil afirmá-la é então mais difícil tê-la.

Comemorar e congratular-se com a morte e o assassinato, ainda que de um monstro, parece-me um acto reprovável, pouco civilizado e mais, perigosamente insensato e eventualmente provocador.
Sentir alívio parece-me justo e humano, mas regozijo não, porque o que nos diferencia da barbárie é exactamente a conduta e o civismo com que lidamos com as formas de a reprimir, combater e penalizar.

Calhou por um acaso a execução de Bin Laden no exacto dia em que há 2 anos perdi uma filha.
Sei pois bem como parece doer ainda mais uma morte para a qual não se encontra explicação ou compreensão, que é o que deverão sentir todos os que perderam entes chegados nos atentados instigados e inspirados por esse facínora da alta burguesia árabe-americana.
Porque se meteu pelo meio um longo fim de semana que atiraria para muitos dias depois uma sequência de autópsias, primeiro a legal e só depois a médica, para procurar explicar a morte de uma menina de 22 anos que morreu a dormir e sem que a polícia técnica e o seu exame local tenham conseguido apurar qualquer causa.
E para além de ninguém poder estar preparado para a súbita perda senti também que prolongar o choque já de si sem atenuantes com uma paragem no tempo assim era insuportável, porque a transformaria numa tortura ainda maior para todos.
Julgo que se tivesse havido a explicação que sempre faltou me seria agora mais fácil suportá-la, não no dia de hoje mas em todos os que decorreram já desde essa fatalidade.

Tentando transpor o intransponível, porque a dor e a perda não se transpõem, será que a partir de agora esses milhares de lesados pelos crimes do Bin Laden se sentem mais confortados e ressarcidos das suas perdas?
Sabê-lo executado e extinto transmite-lhes de alguma forma a sensação que foi feita justiça?
Ou será que ouvir o Barak Obama, o David Cameron, o José Sócrates e até alguns dos ditadores árabes (ansiosos por solidariedades e bodes expiatórios salvadores) congratularem-se com a sua concretização os fará sentir melhor?
Penso que não porque caso contrário isso significaria que consideravam a morte do infame moeda de troca de valor permutável pela perda dessas milhares de mortes que propositadamente provocou.

Sempre achei que o que distinguiu o tipo de crime que o tornou tragicamente famoso foi a sua mania das grandezas, desumana, teatral e monstruosa, numa demonstração de vaidade pessoal e infantilidade mental verdadeiramente doentias e incomensuráveis.
Porque qualquer menino de 3 ou 4 anos atira um avião de papel contra uma torre de lego, faz pecheee e extermina ainda mais inimigos imaginários.
O hediondo é que houve alguém que como ele chegou a adulto assim, para mais muito rico, ainda convencido que esse pecheee era admissível para substituir o seu ócio, os seus recalques e frustrações, para validar os seus anseios de notoriedade e suficientemente exequível para fazer sobressair a sua capacidade de o realizar com seres humanos reais!...
Porque para ele nunca houve vítimas mas apenas meios, coisas que a sua megalomania usou em busca de uma imortalidade obtida pela congeminação de acções catastróficas que se tornassem conotadas com o seu nome, tornando-o inesquecível aos outros pela dimensão gigantesca, cruel e de total desprezo pela condição humana dos actos que instigou e fez concretizar, e para isso tanto se lhe deu que as vítimas fossem do seu lado ou do outro.
Por isso o considerei sempre e só um desprezível verme que por aqui passou convencido que era mais que todos os seus semelhantes.
Foi único? Não, foi apenas mais monstruoso, porque não distribuiu antecipadamente fardas apropriadas que configurassem e legalizassem um conflito tradicional e nele a inevitabilidade e justeza das perdas em nome de uma causa, como fizeram tantos outros.
Porque as guerras normalmente preparam-se com recrutamentos prévios, mais ou menos forçados, dos dois lados, ainda que por vezes a tempos diferidos, porque o segundo só reage após detectada a  necessidade de tal. E neste caso, tal como no terrorismo em geral, o recrutamento foi demasiado diferido.
Mas à necessidade de notoriedade deste monstro não lhe bastava uns tantos homens-bomba a fazerem umas tantas vítimas no meio de pequenas multidões. Isso daria uma notícia em pé de página e ele queria dramas que consternassem o mundo.
Que nada tinham a ver com a promoção de uma qualquer causa mas unicamente com a garantia da sua imortalidade na memória da humanidade, nela se registando como aberração sem precedentes através da forma ignóbil e massiva dos crimes que inspirou.

Por tudo isso, por sabermos que lhe estava mentalmente vedado entender a diferença entre o poder e o fazer – porque afinal o que fez já passou, passa e continuará a passar por milhões de mentes e fantasias infantis que felizmente acabam por evoluir e perceber que os pecheee’s estão interditos à realidade, o que não sucedeu com ele - é que não faz sentido a sua execução e muitos menos este coro de regozijos políticos.

Porque o mundo civilizado tinha obrigação de fazer valer a sua diferença, que é a de não ser igualmente selvagem, primário, gratuitamente vingativo, e em vez de o abater sumariamente congratulando-se com o facto deveria tê-lo aprisionado e feito responder pelos seus crimes contra a humanidade.

Talvez não percebesse ele, mas perceberiam muitos outros, mesmo entre os que vivem nas realidades e mentalidades islâmicas e muçulmanas, alguns dos quais não sei agora se vão perceber alguma coisa deste acto e das reacções deste (outro) mundo que se proclama o civilizado...

É assim como tentar convencer os adeptos de um clube que o outro é que é o bom e o que tem a razão, atirando bolas de golf e verylights para o meio da (outra) claque...

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